Ocupação Zuzu

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Vida, obra e militância de Zuzu Angel abrem a série de mostras Ocupação deste ano no Itaú Cultural. Exposição apresenta cerca de 400 itens, entre vestidos, croquis, documentos, objetos, fotos
e cartas manuscritas.

A Ocupação Zuzu é a 17ª Ocupação promovida pelo Itaú Cultural e, até agora, a maior da série. Composta de exposição, desfiles, ciclo de cinema e encontros com estilistas, nasceu do conceito de uma exposição em movimento e apresenta ainda outras novidades: é a primeira vez que o projeto aborda o tema moda e se espalha por diversos espaços do instituto, diferentemente das outras que se restringiam ao térreo. Abre no Itaú Cultural no dia 1º de abril – aniversário de 50 anos do golpe militar – e permanece em cartaz até 11 de maio, dia das mães.

“Esta exposição afirma o entendimento da moda como importante segmento de reflexão da cultura e arte contemporâneas e possibilita a fruição e a análise da vida e da obra de uma das mulheres mais singulares da nossa história, Zuleika Angel Jones”, diz Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural. Soma-se, ainda, aos acontecimentos que revisitam a Ditadura Militar Brasileira, no ano em que o golpe completa 50 anos.

A mostra reúne mais de 400 itens e tem curadoria compartilhada de Hildegard Angel, filha de Zuzu, jornalista e criadora do Instituto Zuzu Angel e do Museu da Moda, Itaú Cultural (por meio dos núcleos Áudio Visual e Literatura e Educação e Relacionamento), além do diretor de arte Valdy Lopes Jn, que também assina a cenografia da exposição.

Pelo menos 40 dos looks criados pela designer poderão ser vistos pelo público. Entre as peças, figuram quatro criações de Zuzu para noivas; nove trajes que ela usava em seu luto pela perda do filho; três exemplares usados por modelos americanas no famoso desfile de protesto que ela fez em Nova York, no começo dos anos 70, na casa do cônsul brasileiro na cidade; e dois exemplares da série pastoral. Há ainda mais de 30 itens como camisetas, bolsas, porta-óculos, fivelas – todos com os anjinhos que se tornaram a sua referência icônica.

Zuzu desenhava as estampas dos vestidos que criava, trazia rendas do Nordeste para os vestidos de noivas – transparentes e ousados. Concebia ainda a logomarca, a sacola, o papel de carta, a etiqueta, as estratégias de marketing. Lançou uma coleção brasileira, mas em Nova York. Juntou baianas, Lampião e Maria Bonita, working young ladies, pastorais e anjos, e tudo transformou em produtos com sua assinatura. Os estudos e bordados sobre o tema também estão na mostra, assim como mais de 20 croquis, moldes de outras criações, estampas e material gráfico que ela criou para etiquetar e embrulhar o seu trabalho.

Em sua busca pelo filho, a estilista escreveu e enviou cartas de denúncia a amigos, outras mães de desaparecidos, congressistas americanos, como Henry Kissinger, militares brasileiros, como o então presidente Ernesto Geisel, e intelectuais e artistas, como Chico Buarque. As mais importantes dessas missivas assinadas por ela própria e documentos – alguns inéditos, outros, cópias – e mensagens recebidas de amigos que a encorajaram ou lhe deram os pêsames também estão na exposição, assim como artigos publicados sobre ela na mídia nacional e internacional.

A exposição traz, ainda, material audiovisual de grande valor histórico, como trechos do desfile de protesto, realizado em Nova York, e objetos e fotografias de seu filho eliminado pelo regime, Stuart Angel Jones – muitos apresentados ao público pela primeira vez.

Em torno de Zuzu, uma exposição em movimento
Além de ocupar os três andares do espaço expositivo do instituto, e seu piso térreo, a mostra ganha movimento com ações performáticas. A estilista e consultora Karlla Giroto é a criadora das performances. De quinta-feira a domingo, das 14h às 20h, atrizes farão pequenos desfiles-surpresa entre o público, vestindo réplicas selecionadas destas criações de Zuzu. Elas lerão trechos dos textos e cartas escritas pela criadora de moda.

Ocupação Zuzu incorpora outros eventos, como uma mostra de cinema, com curadoria de Eduardo Morettin, professor de História do Audiovisual da ECA/USP e conselheiro da Cinemateca Brasileira; um minicurso com João Braga, especialista em História da Arte pela FAAP e em História da Indumentária e da Moda pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo; e encontros com os estilistas Ronaldo Fraga, Isabela Capeto e Gisele Dias, e personalidades que fizeram parte da vida de Zuzu, como Elke Maravilha. No dia 9 de maio, a própria Hildegard Angel fara um encontro com o público para falar das principais criações da mãe (a programação detalhada segue à parte).

O núcleo de Educação e Relacionamento prepara atividades paralelas, entre oficinas de criação para crianças – de estamparia, costura e bordado, criação de modelos de papel, rodas de conversa sobre arte e política na ditadura militar brasileira, o bordado entre a arte e a moda, e outros temas (veja material à parte).

Criadora, mãe, empresária, militante, Zuzu
A designer, como gostava de ser chamada, e empreendedora Zuleika Angel Jones, pioneira na moda brasileira, reconhecida internacionalmente, construiu uma das trajetórias mais notáveis da moda brasileira. Do trabalho voluntário para as obras sociais da primeira dama da época, Sarah Kubistchek, onde costurava uniformes escolares, Zuzu Angel, com três filhos e separada do marido, montou uma pequena oficina de costura dentro de sua própria casa. Sempre querendo mais, ela passou a criar seus próprios modelos, acessórios, estampas, bolsa. Construiu carreira internacional, principalmente nos EUA. Abriu a sua loja e oficina e o sucesso foi tanto que chegou a dizer “Eu sou a moda brasileira”.

Zuzu criou e produziu moda como ninguém à época. E procurou tornar a alta costura acessível a todas as mulheres. Dizia que o seu sonho era ver pessoas vestindo seus modelos no ponto de ônibus. Usava cores, estampas, bordados. Misturava renda, seda, fitas, chitas com temas regionais e do folclore como estampas de pássaros borboletas e papagaios. Era uma “costureira”, como se chamava uma mulher que produzia criações na moda, que pensava vestidos, bolsas, lenços, lençóis.

“Hoje, olhando os vestidos de mamãe dependurados nas araras, alguns já praticamente sexagenários, porém, passados a ferro, empertigados, aparentando juventude e prontos para viverem seu momento de glória na Ocupação Zuzu, do Itaú Cultural, eu me faço a pergunta, pasma até: ‘Como consegui guardar, preservar, reunir tudo isso?’”, continua Hildegard.

Na passagem dos anos 60 para os 70, no auge da sua criação, Zuzu e suas filhas sofreram a grande perda do filho Stuart Angel, militante do MR8, preso e morto pelo regime militar. A partir dai, tornou a busca do filho sua grande militância. Mas isso não a fez parar de criar, produziu vestidos que são verdadeiras narrativas contra a opressão do regime e produziu seus desfiles de protesto político. Passou a usar apenas o preto do luto, mas criou estampas cada vez mais coloridas de Brasil.

“Minha mãe passou seus últimos anos de vida juntando fragmentos da memória de meu irmão Stuart, como se através deles quisesse recompor o corpo que não conseguia encontrar para enterrar”, escreve Hildegard Angel em seu texto sobre a mostra.

Zuleika Angel Jones morreu na madrugada de 14 de abril de 1976, aos 54 anos de idade, em um acidente de carro no Rio de Janeiro, na Estrada da Gávea, à saída do Túnel Dois Irmãos hoje batizado com seu nome. Comprovou-se, depois, assassinada pelo governo, como Stuart.

Sobre Hildegard Angel
Filha de Zuzu Angel e jornalista social e de moda. Sua formação no campo artístico data da infância, nos campos da dança, teatro e cinema. Aos 18 anos iniciou a carreira de jornalista no jornal O Globo, onde manteve colunas até 2003, trabalhando ainda nos jornais Última Hora e Jornal do Brasil. Sua atuação como colunista a levou à imprensa internacional, classificada como “rainha do colunismo social do Brasil”.

Colaborou com revistas nacionais e internacionais, como a Vogue, Manchete e Contigo. Em 1973, produziu, editou e apresentou o Jornal Delas na TV Rio, primeiro noticioso realizado e apresentado exclusivamente por mulheres. Recebeu do governo brasileiro a Ordem do Rio Branco pela atuação na área cultural.

Fundou e preside a Academia Brasileira da Moda, com o objetivo de manter a memória dos grandes nomes da moda brasileira, e o Instituto Zuzu Angel de Moda, com o lema “A moda brasileira só pode ser internacional se for legítima”, frase de Zuzu. Fundou, em 1995, o primeiro curso superior de moda no Rio de Janeiro, com a Universidade Veiga de Almeida.

Ocupação Zuzu
Abertura para o público: 1º de abril, das 9h às 17h, e de 2 de abril a 11 de maio em horário normal
De terça-feira a sexta-feira, das 9h às 20h
Sábados, domingos e feriados, das 11h às 20h
Entrada franca
Classificação indicativa: livre
Site Ocupação Zuzu

Itaú Cultural
Avenida Paulista, 149, Estação Brigadeiro do Metrô
Fones: 11. 2168-1776/1777
www.itaucultural.org.br
Estacionamento com manobrista: R$ 14 uma hora; R$ 6 a segunda hora;
mais R$ 4 p/ hora adicional
Estacionamento gratuito para bicicletas
Acesso para deficientes físicos
Ar condicionado

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